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Domingo, Dezembro 8, 2024
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Entre o vistoso e o Verdadeiro, tarde agradável na “Palha Blanco”

Texto: Diogo Câncio
Fotografias: Carlos Pedroso

Vila Franca é mais Vila Franca pelo Colete Encarnado e a tradicional Corrida de Domingo é, naturalmente, um dos seus pontos altos. É verdade que, para trás, ficam os dias mais intensos, de maior folia e de noites mal dormidas, com Tertúlias de portas abertas até de madrugada e um verdadeiro aluvião de gente que acorre à ribeirinha cidade, ao reclame de três dias de muita animação e de toiros pelas ruas, homenageando esse verdadeiro herói desconhecido, tão essencial à Tauromaquia, que é o nosso Campino. Mas, como a recordar-nos sempre que é o Festejo em Praça uma das principais razões de ser deste fenómeno que tanto amamos, a romaria dominical à “Palha Blanco” marca o corolário essencial e quase obrigatório da maior Festa Vilafranquense.

Para este 7 de Julho, apresentou-nos a empresa um cartel quiçá algo desequilibrado, quer pela ausência de um Matador de Toiros, quer pela eleição dos toiros de David Ribeiro Telles para a primeira parte da Corrida (toureio a cavalo), uma ganadaria que não é exactamente conhecida por elevadas quotas de dificuldade e casta, tão do gosto da exigente afición de Vila Franca. Mas a verdade é que quem se deslocou à Praça não terá dado o seu tempo por mal empregue, pois a tarde “não pesou” e teve momentos de muito interesse.

Comecemos pelos dois intervenientes que mais me fizeram “levantar do assento”, Francisco Palha e Tomás Bastos. Pelo primeiro, confesso, tenho uma predilecção especial: recorda-nos que a Tauromaquia é (ou deveria ser) sempre um misto entre a fragilidade, a grandeza e a inspiração dos seus intérpretes, sem lides pré-concebidas, mas antes adaptadas aos adversários que têm por diante, sabendo toureá-los, na verdadeira acepção da palavra e, sobretudo, agigantando-se face aos seus problemas e vicissitudes. A actuação frente ao seu segundo toiro, quarto da função, foi um compêndio de tudo isto: o “Ribeiro Telles”, sério e bem apresentado, foi um “manso de livro”, extremamente bruto e mal intencionado, que pedia um elevadíssimo grau de valor e decisão para o enfrentar e contornar as suas imensas dificuldades e foi desta forma que o Francisco o entendeu e toureou, com seriedade, entrega e sem “concessões à galeria”. A lide oscilou entre ferros extraordinários e alguns menos conseguidos, mas atrevo-me a qualificá-la de quase perfeita, se considerarmos as características do oponente que a que se mediu. No final, creio que se equivocou ao recusar uma volta à arena, mais que merecida, mas o público da “Palha Blanco”, especialmente o de sombra, parece ter entendido a sua actuação nos mesmos moldes que eu, exigindo-lhe recolher os louros de um emocionante momento de toiros. No seu primeiro, fiel ao seu estilo, deu tudo de si (forte colhida incluída), mas a verdade é que tanta vontade não se coadunou com o comportamento amorfo e “sensaborão” do adversário que enfrentou. Em todo o caso foi Francisco Palha o nome maior da tarde no que à “Arte de Marialva” disse respeito.

Tomás Bastos, especialmente em Vila Franca, é todo um fenómeno e creio que a sua presença não foi alheia à excelente moldura humana apresentada pela Praça (casa cheia) o que, no final, veio a justificar a aposta realizada pela empresa. Anda sempre em “tom de novilheiro”, todo entrega e variedade, a qual se destaca essencialmente num capote pleno de fantasia, domínio e conhecimento, que nos ofereceu uma fantástica diversidade de quites. Com espectacularidade cobriu igualmente os seus dois tércios de bandarilhas, embora nem sempre com excessivo ajuste. Mas foi na muleta que, quanto a mim e mais uma vez, justificou toda a esperança que nele depositamos. Quando se templa e se lhe olvidam as normais ganas de triunfo, toureia com verdadeira graça e profundidade, além de com uma maestria muito precoce que lhe serviu, por exemplo, no seu brusco segundo, para lhe aplicar um saboroso e toureiro início por “trincherazos”, limando-lhe o ímpeto e as asperezas e permitindo depois construir uma faena muito séria e assentada, especialmente com a mão direita, visto que, pela esquerda, no final, o bronco “Paulo Caetano” já tinha dado tudo de si. A sua primeira actuação fica-me na retina por uma extraordinária série de “derechazos”, ao som da “Montera Negra”, que me emocionou de verdade. A continuar desta forma e assim a tão necessária sorte o acompanhe um bocadinho, tem tudo para se tornar num grandioso toureiro!

Com menos destaque, mas igualmente em bom plano, andaram João Ribeiro Telles e os Forcados Amadores de Vila Franca de Xira, condicionados essencialmente, pela falta de transmissão  e casta em geral dos pupilos de David Ribeiro Telles. Diga-se, em abono da verdade, que o carácter pastueño e bondoso da ganadaria que leva o nome de seu Avô parece enquadrar-se bem no estilo de toureio do neto, que aposta, frequentemente, mais pelo caminho da vistosidade, com pronunciados quarteios e batidas e uma lide alegre e desenvolta, do que pelo caminho da emoção, de “entrar pelos toiros dentro” e de nos fazer oscilar entre o “ai” e o “olé”. Mas resulta que, se não houver uma ponta de dificuldade, pelo menos no que é percebido pelo público, as actuações não chegam com verdadeira força à bancada ou, pelo menos, aquele que vos escreve. Discordará de mim quem aplaudiu a chamada do ganadero à Praça, pelo comportamento extremamente franco e colaborador do terceiro exemplar da tarde, mas no qual vi, mais do que bravura, uma nobreza e obediência extremas. Com muita qualidade, sem dúvida, mas a pedir um “plus” de casta e “picante”.

Foi frente a este “Ribeiro Telles” que as jaquetas às ramagens dos Homens do Grupo de Vila Franca mais se luziram, com o solista Lucas Gonçalves aguentando e recuando bem, face à pronta e veloz arrancada do toiro, que entrou de cara alta e com muito ímpeto pelo Grupo dentro, o qual respondeu com muita homogeneidade e decisão, destacando-se uma excelente primeira ajuda de Rodrigo Dotti, que mereceu uma justíssima volta à arena. Pelos Vilafranquenses, abriu praça o Cabo, Vasco Pereira, numa pega fácil e correcta, sem dificuldades a apontar. Em quarto lugar saltou Rodrigo Andrade que, apesar de pouca calma e “toureio” a citar e recuar, se fechou com decisão (pareceu-me ter adiantado um pouco as mãos), beneficiando depois da calibrada máquina dos seus ajudas, que estiveram em bom plano nesta tarde de toiros. Capítulo à parte merece a segunda intervenção da Corrida, por intermédio de João Maria Santos, em que, mais do que a pega (“tranquila” dentro do que uma pega o pode ser), importa a despedida de um valoroso primeiro-ajuda e cernelheiro, que deu tudo de si à Jaqueta que representou e que encerrou o seu bonito capítulo, num humilde e extraordinário brinde à Madrinha do Grupo, Maria José Garcia, por ser “mãe de quarenta filhos”! Olé tu, João Maria e muito obrigado por tudo o que nos deste!

Já quase entrada a noite, abandonávamos a nossa querida “Palha Blanco” com um certo sentimento de paz: não terá sido uma tarde para a História, para sonhar o toureio e explodirmos de regozijo, mas, como intitula esta crónica, entre a Beleza da Verdade e a beleza por si só, algo houve para disfrutar. Bem andaríamos se a grande maioria assim fosse!

Nota: “Diogo Câncio, autor da crónica do passado Domingo de Colete Encarnado, manifesta o seu pedido de desculpas pela menção ao encaste da Ganadaria David Ribeiro Telles como sendo Murube, quando na realidade é de Pinto Barreiros / Jandilla. Lamentando o lapso ocorrido e os equívocos eventualmente causados, a mesma é republicada, devidamente corrigida. Muito obrigado”

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