Nazaré: Bastinhas em ombros na primeira da temporada, após uma corrida de touros que teve a chuva como fiel companheira durante quase toda a noite.
Texto: Rui Lavrador / Fotografias: Carlos Pedroso
A Praça de Touros do Sitio da Nazaré acolheu este sábado, 20 de Julho, a corrida de touros inaugural da sua temporada tauromáquica 2024.
Frente a touros de Varela Crujo, actuaram os cavaleiros Marcos Bastinhas, João Ribeiro Telles e Luís Rouxinol Jr. As pegas ficaram a cargo dos forcados amadores de Azambuja, Coimbra e Monsaraz.
Lotação esgotada, segundo foi anunciado, antes do início das cortesias, demonstrou a força do cartel e a motivação do público para esta corrida.
Neste tauródromo há nuances e uma idiossincrasia do seu público que por vezes nem sempre é fácil entender. Essa mesma idiossincrasia poderá levar a que nem sempre a justiça funcione, não tendo necessariamente de existir réus ou inocentes. É o que é!
Marcos Bastinhas tem, de há alguns anos a esta parte, uma força nesta praça que o transforma num elemento venerado pelas gentes nazarenas. É uma comunhão, entre artista e público, que parece inquebrável. Um elo quase visceral. Aconteça o que acontecer, toureie ali quem tourear. Para este público, Marcos triunfa sempre. E sobre isto não há volta a dar!
Esta noite, o cavaleiro voltou a ser aclamado, desde as cortesias até o momento em que saiu em ombros, no final da corrida. A justiça desta saída em ombros, ou falta dela, fica ao critério de cada um. Na minha opinião, não foi justa. Porém, reforce-se, é absolutamente transcendente e inquebrável a ligação do ginete com o público e vice-versa. Uma história de amor à moda dos melhores filmes românticos!
Injusto para os restantes cavaleiros, mas as histórias de amor têm razões que a própria razão desconhece. Embora no caso do cavaleiro Marcos Bastinhas, tenha também de se mencionar o histórico de boas actuações que aqui já teve. E este público tem uma memória muito boa para quem lhes promove a alegria e lhes toca o coração.
Porém, sendo esta praça com um cariz claramente popular, a verdade é que todos os actuantes que ali estiveram, toureiros e forcados, foram muito acarinhados. Todos! Mas, Marcos Bastinhas acima de todos, pelo atrás referido!
Quanto às lides, comecemos por Marcos Bastinhas, o mais antigo cavaleiro de alternativa em cartel.
O primeiro touro saiu com alegria e de imediato Marcos Bastinhas dobrou-se bem com ele num palmo de terreno. O primeiro ferro comprido é de boa qualidade, indo de frente, começando Marcos aí a entusiasmar-se com a força vinda das bancadas.
Entusiasmou-se tanto que seguidamente cravou mais um ferro comprido e uma bandarilha curta, de boa qualidade, destacando-se também na forma como bregou com a sua montada inicial.
Porém, o touro perdeu a alegria, rachou-se e perdeu a alma inicial, e a partir daí, Marcos apostou numa vertente mais exuberante, baixando a vertente técnica, mas com o publico em êxtase. Terminou com dois palmitos, antecedidos de cites em circunferências e deixando as bandarilhas pelo corredor. Saiu sob forte ovação.
Na sua segunda actuação, Marcos Bastinhas elevou o nível técnico apresentado. E a diferença para a primeira foi muito grande, para melhor. Foi receber o touro à porta dos curros, soube lidar a gosto, com entrega, levando o touro para os terrenos que melhor convinham e foi desenhando as sortes de forma correcta, com reuniões ajustadas. A parte final, quando a lide estava em crescendo, voltou a ter a sua vertente mais efusiva e o cavaleiro voltou a sair sob aclamação suprema do conclave.
Touro mais colaborante que o primeiro, com mais ritmo, mais transmissão dando assim outra potência à actuação.
Deu duas voltas à arena, acompanhado do forcado, aproveitando alguns pedidos do público. Podia ter evitado a segunda volta à arena.
João Ribeiro Telles teve uma primeira lide que foi o melhor que se viu em termos de qualidade na noite da Nazaré.
Que lide muitíssimo bem estruturada de João Ribeiro Telles, perante um colaborante touro de Varela Crujo. O ginete ribatejano esteve inspirado e desde cedo mostrou ao que vinha, deixando toda a intensidade do seu toureio. Confiante, rapidamente entendeu as características do touro e soube dar-lhe a faena que se impunha. Bem a bregar, melhor a escolher os terrenos para depois efectuar as sortes, expondo depois toda a sua vertente mais técnica, em reuniões ajustadas e de muito boa qualidade. Exceptuando o segundo ferro curto, cuja reunião não foi ajustada, a actuação de Telles é de enorme valia, classe e soube rematar com um ferro curto em sorte de violino e um palmito em sorte cambiada. Foi a lide da noite e não podia estar melhor.
Frente ao segundo touro do seu lote, Telles teve por diante um oponente complicado, que aguardou muito no momento das reuniões e tornava-se áspero. Isso levou a que a lide de João Ribeiro Telles não atingisse o mesmo brilhantismo da primeira. Ainda assim, a assinalar dois ferros de grande em qualidade. João esteve muito bem a lidar, mas o momento das reuniões retirou brilho à actuação. E neste caso, mais culpas para o comportamento do hastado, do que para o cavaleiro. Ainda assim, actuação de boa nota.
Na noite de ontem, Luís Rouxinol Jr. celebrou 7 anos de alternativa, como cavaleiro profissional, porém, a primeira lide não foi certamente a sonhada. Um touro complicado, com o qual o cavaleiro nunca se entendeu. Lide com vários momentos de pouco brilhantismo, exceptuando a cravagem de uma bandarilha curta de muito boa nota.
Porém, tudo mudou na lide do segundo touro do seu lote, na última actuação da noite. Aí veio o melhor de Rouxinol Jr. O jovem surgiu em praça ciente do que tinha a fazer para dar a volta ao que tinha sido a sua primeira prestação e teve por diante um touro que teve também mais qualidade que o seu primeiro. A série de curtos foi de muito boa nota, exceptuando um, dando ainda um ar da sua graça na forma como entendeu o oponente, culminando com alguns desplantes que agradam sempre ao efusivo público desta localidade.
A noite não foi de todo brilhante para os forcados, ainda assim esteve longe de ser um fracasso. Aliás, nesta praça, é quase tudo uma alegria. Por vezes excessiva até.
Assim, pelos forcados de Azambuja, Hugo Mendes concretizou ao segundo intento e Rúben Mendes ao primeiro, na melhor pega da noite. Pelos Amadores de Coimbra, o cabo Pedro Silva teve de ser dobrado por um colega, com o grupo a concretizar a primeira pega à terceira tentativa efectiva, enquanto João Cavaleiro concretizou ao segundo intento. Já os Amadores de Monsaraz concretizaram as duas pegas ao terceiro e segundo intento, respectivamente.
O curro de touros da ganadaria de Varela Crujo cumpriu, sem que fosse soberbo. Apresentação de acordo com a categoria da praça, mas com comportamentos díspares.
Por fim, destacar a classe com que o bandarilheiro Duarte Alegrete recebeu o segundo touro da noite. Esteve elegante, dominador e eficiente, merecendo aqui esse realce.
A corrida foi dirigida pela delegada técnica tauromáquica Ana Pimenta, assessorada pelo médico-veterinário José Luís Cruz.
A chuva marcou presença durante quase toda a corrida, mas nem isso arrefeceu a alegria de um público único no país, para o bem e para o mal.