Viagem ao passado áureo: uma Corrida de Gala repleta de tradição na Moita, foi o que aconteceu ontem, dia 24 de maio, na Praça de Touros Daniel do Nascimento.
Três cavaleiros, três estilos, uma praça em êxtase
O cartel contava com Rui Fernandes, Francisco Palha e Tristão Ribeiro Telles, com o Grupo de Forcados Amadores do Aposento da Moita do Ribatejo a pegar em solitário, frente às ganadarias: Veiga Teixeira, Conde de la Corte, Murteira Grave, Conde de Murça, Varela Crujo e Mato-o-Demo.
A Corrida de Gala à Antiga Portuguesa é uma faísca nostálgica da tradição e história de outrora, que acende o fogo em nós como se tivéssemos recuado a essa altura. Mesmo antes da corrida, assistiu-se a um luxuoso cortejo histórico evocativo das Touradas Reais do século XVIII. E, diga-se de passagem, foi uma autêntica viagem no tempo, com o passado vivo a brilhar e a maravilhar os aficionados presentes.
Figuras da Tradição em Cena
Para além de majestoso e memoráveis coches que historicamente transportavam os cavaleiros que iriam atuar na corrida, não faltaram as outras figuras envolventes. São elas: Neto (símbolo da autoridade na arena), Timbaleiro e Charameleiros (bando anunciador do espetáculo), Porta Estandartes (das casas nobres cujos representantes participavam na corrida de toiros que iria acontecer), Pagens do Neto e dos Cavaleiros (criados do neto e dos cavaleiros) e ainda, já em praça, a Azémola das Farpas, a “Mula” como é denominada, que transportava a ferragem que é usada na corrida, conduzida à mão pelos forcados.
Com um céu aberto e de sol, como que a dar as boas vindas a esta viagem e à corrida ansiada que se seguia, o público entrou e encheu dois terços e o ambiente todo repleto de expectativa. Estava pronto para comemorar o 50° aniversário de fundação do Grupo de Forcados Amadores do Aposento da Moita do Ribatejo, aquando da tradicional data da emblemática Feira de Maio que decorre por estes dias na Moita e tem uma presença de afición que se vê em cada canto da vila.
“Parabéns a você nesta data querida” ao Grupo de Forcados Amadores do Aposento da Moita
A tradicional corrida, inserida na feira de maio da Moita, ficou marcada por um momento de viragem para o grupo de forcados do Aposento da Moita: a mudança de cabo, sempre um acontecimento de enorme significado para qualquer formação. Esta transição, carregada de simbolismo, conferiu um tom emocional à tarde, sendo vivida com respeito, solenidade e sentido de continuidade por parte de todos os intervenientes. Assim, Leonardo Mathias é sucedido por Luís Canto Moniz.
Pela importância geral deste evento tauromáquico, assinalaram presença grandes nomes da forcadagem nacional que fizeram parte da história do grupo, na plateia, trincheiras e em praça. No início, o presidente da Câmara Municipal da Moita entregou uma recordação simbólica, seguido do tema “Parabéns a você” tocado pela banda que abrilhantou o espetáculo.
Para além da cerimónia, houve toureio. E muito. A praça foi palco de uma competição intensa e artística entre três cavaleiros de estilos distintos, o que proporcionou uma tarde interessante em contrastes e emoções para os aficionados.
Rui Fernandes: Elegância Clássica com toque diferente
Rui Fernandes voltou a exibir a elegância que lhe é reconhecida, num toureio que conjuga o classicismo com pinceladas de tremendismo, revelando maturidade e domínio do toureio em cada movimento. O seu desempenho pautou-se por ferros bem desenhados, com batidas certeiras ao piton contrário, a evidenciar o conhecimento profundo do touro e do tempo da sorte. A isso junta uma elegância e classe a cavalo que marca a diferença no panorama nacional.
Na primeira lide, Rui Fernandes conquistou com o seu ladear, em que o público absorveu a sua energia. Com um cavalgar não menos do que western, e a manter os cânones de um cavaleiro tauromáquico, aplicou com estudo os ferros, nomeadamente os curtos, ao touro da ganadaria Murteira Grave. Um touro belíssimo e com postura de bravo, uma anatomia exemplar para um exemplar da sua espécie. O touro teve boa investida, mas mais recetivo a confrontos a curta distância.
O segundo touro, de Mata-o-Demo, era mais estreito e com menos corpo. Neste touro, foi o Rui Fernandes de sempre, com o seu estilo próprio e a exaltar a chama do toureio de outros tempos e vestido a rigor nesse sentido, como estiveram todos.
Após hesitação nos curtos devido ao corpo menor, teve de provocar a investida do touro com vários recuos do cavalo, mostrando um domínio de equitação exemplar, mas que para o touro distraído tardou em resultar. Após isto, voltou a dominar a lide, com a qualidade que há muitos anos lhe é reconhecida.
Francisco Palha: o risco como assinatura
Francisco Palha optou por um toureio de risco, intenso e de entrega total, onde cada ferro foi jogado como se fosse o último. A sua actuação foi um verdadeiro tudo ou nada. O público reconheceu a firmeza do seu toureio com fortes ovações.
O primeiro touro de Francisco Palha, de Conde de Murça, tinha uma investida aprazível ao olhar, mas depressa se revelou distraído. Foi um touro diferente, que mesmo assim Palha soube tourear e colocar o público a vibrar.
Destaque para um ferro cravado a curta distância do animal, com a verdade do toureiro a sobressair perante grande confronto.
Na segunda lide, lidou o touro da ganadaria Veiga Teixeira. Um animal rasteiro, mas com um aspeto corpulento clássico de touro bravo.
Palha aqui foi quase como um “clone” dos tempos idos e áureos da tauromaquia, que saiu de uma máquina do tempo. Procurou realizar a lide o mais correta e à “antiga portuguesa” possível, não perdendo a sua verdade e o cunho pessoal entusiasta que aplica a cada lide.
Nos longos da segunda lide, contudo, tentou cravar duas vezes com hesitação, levando a uma terceira tentativa com ovação e aplausos.
Destaca-se aqui, nesta segunda faena, uma sorte frontal intensa, capaz e barulhenta (este último adjetivo do ponto de vista da afición presente na praça).
Assim, o público pediu mais e, após duas tentativas de ferro cravado a píton contrário, cumpriu o desejo do público.
Um nome a notar: Tristão Ribeiro Telles
Tristão recebeu, na sua primeira aparição em praça, um touro com investida forte, da ganadaria Varela Crujo. O cavaleiro aplicou um primeiro ferro comprido com algum esforço, mas que cumpriu a aplicação do ferro. Seguidamente, já a puxar palmas e simpatia audível pelos setores, aplicou um segundo comprido com eficácia, no ponto e tempo certos, e com uma investida bruta do touro, que fez deste ferro um dos seus melhores pela imagem que passou ao público.
Apresentou uma quadrilha de classe e uma postura cinematográfica na preparação de cada ferro, apesar de algumas passagens em falso.
Ao engano do touro, que não atendeu à chamada, conseguiu cravar dois últimos curtos e levou o público a levantar-se pela energia que passou.
Quando regressou pela segunda vez à arena, recebeu um exemplar de touro bravo de Conde de la Corte que saiu manso à arena e só depois, contra todas as expectativas, investiu. Contudo, o seu pouco tamanho e peso levaram esta a ser uma lide mais trabalhosa e não tão natural como a primeira. Acertou com primazia nos ferros compridos, sabendo procurar e desenvolver a reação do animal após cada farpa.
No final, fomos presenteados com um curto penúltimo que, a píton contrário, trouxe a emoção final necessária a uma data histórica e os aficionados não podiam estar mais contentes.
Tristão Ribeiro Telles demonstrou jovialidade e enorme potencial, ainda que com pormenores a aprimorar. A irreverência própria da juventude foi visível, mas também o seu respeito pela arte e pela tradição. Há, sem dúvida, margem de crescimento, mas também sinais claros de qualidade e futuro promissor.
Forcados do Aposento: Resistência, Técnica e Emoção
Pelos amadores do aposento da Moita, que pegaram em solitário como já referido, foram à cara João Freitas (1ª tentativa), João Camejo (1ª tentativa), Leonardo Mathias (1ª tentativa), Luís Canto Moniz (1ª tentativa), Fernando Parente (2ª tentativa e substituído por André Silva), e António Ramalho (1ª tentativa), que também se despediu das arenas. Mathias, na sua última pega, teve uma pega de acordo com o seu valor.
Note-se que após a segunda lide de Palha, o forcado rabejador e antiga glória do Aposento da Moita, Tiago Ribeiro, foi convencido por público e colegas a dar também volta na arena, tal foi o seu trabalho de qualidade.
As ganadarias triunfadoras
O prémio Apresentação foi entregue à ganadaria Veiga Teixeira, pelo presidente da autarquia, Carlos Albino, e o de Bravura para a ganadaria Murteira Grave, entregue pelo presidente da Sociedade Moitense de Tauromaquia, Pedro Brito de Sousa.
No final, os forcados do Aposento da Moita saíram pela porta grande da Praça Daniel do Nascimento, e assim terminou uma bonita e melancólica tarde de toiros, em que o público presente recebeu a chamada, e gritou pelos seus protagonistas favoritos presentes na arena.
Texto: André Nunes / Fotografias: Nuno Almeida