Campo Pequeno: Rui(s) ao poder, na terceira corrida de touros da temporada tauromáquica lisboeta em 2024, na noite de ontem.
Texto: Rui Lavrador / Fotografias: Nuno Almeida
Em primeiro lugar, Lisboa e a sua Praça de Touros do Campo Pequeno receberam, esta quinta-feira, a 3ª corrida da temporada tauromáquica.
Frente a touros da ganadaria de António Silva, actuaram os cavaleiros Rui Salvador (que se despediu da praça onde tomou a alternativa há 40 anos), Rui Fernandes (que regressou a esta praça após 4 anos de ausência), Francisco Palha e Miguel Moura (o triunfador desta praça no ano passado).
Além disso, as pegas ficaram a cargo dos forcados amadores de Évora e Coruche (que estreou o novo cabo João Prates).
Todavia, no Campo Pequeno: (Rui)s ao poder, embora haja muito mais por contar.
Numa das suas canções mais conhecidas, intitulada ‘Pode ser saudade’, Jorge Fernando aborda a infância, o crescimento, o alcance dos sonhos e o posterior “desfolhar-se” da infância.
Assim, Rui Salvador viu “no rosto desta gente, desfolhar-se a minha infância”, que é como quem diz 40 anos de alternativa a serem celebrados com o respeito e elevação que merece.
Porém, Rui Fernandes, em momento de toureio grandioso, estético e excelso, veio ao Campo Pequeno como um jovem “buscar as asas do meu sonho de menino”, embora tenha mais de duas décadas de alternativa.
Toureio a cavalo com poder
Com alma de menino à procura de lugar ao sol, mas abençoado pela lua visto ser uma corrida noturna, Rui Salvador usou toda a experiência para contornar as dificuldades perante um touro exigente, mas com mobilidade e codícia, principalmente nas reuniões. Ainda assim, o cavaleiro nascido em Lisboa, mas radicado em Tomar, esteve seguro em toda a linha e desenhou uma actuação vibrante, intensa e explosiva, destacando-se na brega, nos desenho das sortes, com 3 ferros curtos de muito mérito e ainda um ferro em sorte de violino, em terrenos apertados, resultando emocionante. Foi de menos a mais.
Na sua segunda lide, Rui Salvador enfrentou o touro de nome Falso, cravado com o número 13. E foi um falso fácil touro, obrigando o cavaleiro a ter de lidar sempre em muitas curtas distâncias, de forma a interessa-lo na faena. A fase de ferragem comprida não teve grande destaque, mas nas bandarilhas curtas, as mesmas foram cravadas maioritariamente em terrenos de dentro, dadas as crenças das rés. Mais uma aula de mestria de Salvador. Duas voltas a arena e publico totalmente entregue.
A forma como actuou e “esta emoção de estar aqui, pode ser saudade, pode ser saudade”, por perceber que faltam poucas corridas para o adeus definitivo a uma arte à qual deu tanto, durante 40 anos como profissional, fora outros como amador e praticante.
Arrepiante a sua despedida do Campo Pequeno, pousando o tricórnio e a casaca na arena, perante todo o público de pé e a aplaudir.
Estética, classe, Arte
Rui Fernandes armou o taco no Campo Pequeno, na lide ao segundo touro da noite. Trajando casaca negra e ouro, o cavaleiro desenhou uma actuação pura de classe, sofisticação e temple. Mexeu o touro em todos os terrenos, soube entender bem o oponente, encontrou as distâncias correctas e teve 4 ferros de boa nota, com destaque para o quarto na série de curtos, que foi o ferro da noite. Apoteose do eterno príncipe do toureio a cavalo português contemporâneo.
A lide do sexto touro é uma obra do destino e da intuição de Rui Fernandes.
Ou seja, um touro mais reservado que o seu primeiro, no qual a actuação foi de menos a mais, tendo inclusive levado um toque na montada ao segundo curto. Por má sorte, o terceiro não ficou cravado, embora tenha preparado bem a sorte.
Assim, se alguns achavam que não ia acontecer mais nada até final da lide, pois que foi engano total.
Nesse sentido, faltava o golpe de asa, muito hábito dos génios. Esse golpe de asa surge nos quarto e quinto ferros curtos. No quarto, reunião cingida, após ligeira batida ao píton contrário. No quinto, repetiu a dose, acrescentando depois um espectacular remate da sorte, com o touro a investir com velocidade e Rui a aguentar com temple e total domínio da montada, dando quase uma volta ao albero, com o touro a perseguir a garupa da montada. Saiu em apoteose e com a noite ganha. Enorme regresso ao Campo Pequeno.
Impactante no bem e no mal
No mais puro estilo de rock n’roll, Francisco Palha abriu a sua primeira actuação com uma porta gaiola bem desenhada, porém desluziu no segundo ferro comprido, com cravagem ligeiramente descaída. Na série de curtos, mostrou-se lidador, esforçado e a tentar permanentemente a reação do público. Destaque para o terceiro ferro curto, em reunião bastante cingida e com o touro a levantar a cara.
O sétimo touro deu que fazer a Francisco Palha e o cavaleiro não conseguiu mesmo redondear a actuação, nem estando sequer perto de o fazer. Bem no primeiro curto, teve depois duas passagens em falso e à terceira levou mesmo forte toque na montada. Recompôs-se e tem um segundo ferro de mérito, compondo a lide ainda com mais dois ferros, sem deslumbrar. Actuação muito aquém do que Palha pode e sabe fazer. Deixou um estilo mais artístico, na temporada transacta, para um estilo de “impacto” e se quando resulta é bom de se ver, quando não resulta – e corre muitos riscos disso acontecer – é tudo menos bonito. Não foi autorizada volta à arena, e bem, pelo director de corrida.
Miguel Moura tem (quase) tudo
Em grande esteve Miguel Moura, perante o quarto touro da corrida. Abriu função com uma sorte gaiola impactante e a partir daí todo ele foi uma sinfonia artística, pincelando a faena com excelentes pormenores quer na brega quer no desenho das sortes e cravagem. Cada ferro foi um hino aos cânones da tauromaquia. O cavaleiro apenas precisa de melhor a sua linguagem corporal de forma a conseguir criar mais impacto no público.
Frente ao oitavo e último touro da corrida, teve uma actuação que só não atingiu patamar superior, por alguns pormenores. Uma passagem em falso antes do primeiro curto, e ainda um toque na montada, após o último ferro de palmo (cravou dois). Porém, entre esses dois momentos menos bons, Miguel fez tudo parecer simples mas pomposo, transformou o difícil em fácil, mostrou a grandiosidade toureira que tem. Também nesta lide, reforço, como artista falta-lhe uma melhor comunicação não verbal, para que o público menos atento entenda o que de muito bom faz, obtendo assim um maior impacto entre quem assiste às suas actuações.
Forcados em acesa competição e com os dois cabos a fecharem as prestações dos grupos
Assim, nesta corrida, Évora e Coruche foram os dois grupos de forcados actuantes,
Nesse sentido, por Évora foram à cara João Madeira (à primeira tentativa, fechando-se de forma correcta, com o grupo a fechar bem), José Maria Passanha (ao segundo intento, após no primeiro sofrer um derrote), João Cristóvão (ao primeiro intento, tecnicamente perfeito) e José Maria Caeiro (ao primeiro intento, estando dominador e correcto em todos os momentos).
Seguidamente, por Coruche, foram à cara Tiago Gonçalves (1ª tentativa, com o forcado a mandar em todo a sorte, contando com um excelente primeiro ajuda), João Formigo (à segunda tentativa, devido à forma como o touro meteu a cara), António Tomás (ao segundo intento) e João Prates (ao quarto intento, a sesgo e com ajudas carregadas).
Os touros da ganadaria António Silva estiveram irrepreensíveis na apresentação, distintos de comportamento, mas essenciais para uma excelente noite tauromáquica.
Corrida dirigida por Ricardo Dias, que foi rigoroso – e bem – na atribuição de música, assessorado por Jorge Moreira da Silva e com José Henriques no cornetim.
Campo Pequeno: As homenagens
Nesta corrida foram prestadas várias homenagens: a Rui Salvador, por parte da empresa e dos grupos de forcados; à ganadaria por parte da empresa; a José Jorge Pereira (ex-forcado dos amadores de Montemor, Lisboa e Santarém) por parte da empresa.
Por fim, destacar o brinde da primeira lide de Rui Salvador ao seu apoderado José Carlos Amorim, de Rui Fernandes, na sua primeira lide, a Rui Salvador e José Carlos Amorim, de Francisco Palha a Rui Salvador e João Moura, de Miguel Moura a Rui Salvador e ainda de Rui Fernandes à empresa.
Rui Salvador foi ainda levado em ombros pelos companheiros de cartel, num gesto de inteiro merecimento seu e mérito louvável dos outros actuantes.