“Vai ser um início de temporada a ferro e fogo“, diz-nos João Pedro ‘Açoriano’, com quem estivemos à conversa esta semana.
O bandarilheiro fez parte da quadrilha do cavaleiro Rui Salvador durante dez anos, e irá continuar a sua atividade ao lado do matador de toiros Luis Gerpe, num início de temporada bastante promissor, com passagem por Las Ventas inclusive.
A paixão que te trouxe à tauromaquia, ainda se mantém após estes anos ou aumentou ainda mais?
O amor mais que uma paixão, porque entendo a paixão como algo bonito, intenso, mas momentâneo e fugaz que no tempo perde fervor, mas o amor se mantém no tempo e com o tempo se fortalece, e esse amor pelo Toiro e pela Tauromaquia, quando vivido intensamente é o mais bonito que se pode viver. Porque o amor faz-nos crescer e sermos melhores e querer conhecer ainda mais o outro, e a Tauromaquia tem esse poder de ser uma teia de mil formas de arte, estética, ética, poesia história, química, psicologia, sociologia, geometria que nos fazem estar constantemente em busca de saber mais, de conhecer mais sem ter um horizonte à vista. Todos os dias a Tauromaquia dá-nos motivos para a amar cada vez mais
Felizmente o caminho da tauromaquia foi traçado até aqui por muitos toureiros lendários, tanto a pé como cavaleiros. Tens algum ídolo que tenha inspirado a seguir passos? Na actualidade quais os bandarilheiros que te inspiram?
Acredito que para ser bom toureiro, devemos ter a capacidade de beber de várias fontes e traçar um rio com essas fontes, com base na nossa forma de ser e de sentir, sem nos parecermos a nada. E de muitos se pode inspirar em algo, num detalhe, num gesto, numa palavra até. E a identidade e história da Tauromaquia deve-se fundamentalmente aos que, com personalidade própria, traçaram e escreveram a história do toureio, baseado nos seus pares e antecedentes para construir a “sua” Tauromaquia. Primeiro tenho como referência o meu tio Rogério, primeiro bandarilheiro de alternativa açoriano, que me trouxe o espírito de sacrifício, de resiliência, de acreditar ser possível, sem nunca se deixar pisar por ninguém por ser açoriano, criou a sua forma de estar diante do toiro e toureando pouco, sendo quase um autodidata e foi capaz de lutar e ser um grande entre os grandes e numa época complicada, pelo toiro e pelo ambiente e falta de referências. Depois o mestre Rui Salvador que, sem dúvida, foi uma fonte inesgotável de raça, amor próprio, de querer por cima de tudo sem pisar ninguém, de respeito e admiração por todos os seu pares e uma classe e educação como poucos, e isso aprendi muito com ele e a par com o Sr. Carlos Amorim que não sendo toureiro dentro da arena, mas foi um maestro fora dela e um ídolo que levo para sempre. Olhando ao meu redor, sim, tenho companheiros que me fixo bastante e é nessa linha que espero conseguir seguir: Curro Javier, Jose Chacón, Candelas, Trujillo, Diogo Vicente, Andres Revuelta, Jose María Soler, Miguel Ángel Sánchez e algum mais que agora me pode escapar…
Já bandarilhaste em diversos países. Portugal, Espanha, França e EUA. Podes dizer se tiver esquecido de algum. Qual a diferença de público em cada país? Notas mais afición e exigência de um face aos outros? E em termos do comportamento dos touros, quais os maiores desafios nas distintas geografias?
Cada país tem a sua identidade própria, e dentro de cada país temos diferentes formas de viver a Festa. Por exemplo, em França não é o mesmo uma corrida em Ceret e uma em Nimes. O toiro é distinto, o público é distinto no que vai ver, os Toureiros são distintos. Em Espanha, o glamour de Sevilha, não é a exigência de Madrid, nem a Festa de Pamplona. Em Portugal, não se vive uma tarde de toiros em Vila Franca da mesma forma que na Figueira da Foz. Portanto, todas são válidas, todas tornam a Festa de toiros bonita pela sua diversidade identitária, há para todos os gostos. Em relação ao Toiro como patamar de maior exigência numa corrida ou maior desafio a superar, em Espanha será Madrid, Pamplona e Bilbao, e algumas praças de Ávila e Serra de Madrid. Em França algum será sector tourista como Ceret, Vic, Orthez, etc, que levam o toiro por bandeira, não só no trapio, como em encastes mais duros.
Como defines o estado da tauromaquia em Portugal? A afición nacional tem “pernas para andar” ou está a decrescer?
O futuro em Portugal, e arriscaria a dizer no mundo taurino, depende em boa parte dos taurinos, assunto que foi debatido largamente no 4⁰ Fórum Mundial da Cultura Taurina que decorreu nos Açores este fim-de-semana. Não podemos menosprezar o Toiro como epicentro da Festa, não podemos deixar que o Toiro perca o seu instinto semi-selvagem, que perca alguma imprevisibilidade, que se dilua a casta e a fiereza, que a corrida de toiros em Portugal vive essencialmente da emoção que o Toiro transmite. À parte disso, que haja renovo, espectáculos para os miúdos que queiram ser toureiros, possam desenvolver o seu ofício, garraiadas, festivais, variedades taurinas, espectáculos cómicos taurinos, etc, porque o futuro depende deles. Depois a meritocracia, dar lugar a quem triunfa. Quem arrisque para triunfar hoje, tem de ter prémio amanhã, senão não se criam referentes nem motivação ao triunfo. Uma proliferação de cartéis de seis cavaleiros por toda a geografia sem lógica também creio não ser benéfico. Além do tempo de espectáculo ser por vezes alargado, a corrida tem de ser intensa e breve para marcar o aficionado. E por fim, não haver um desligamento dos agentes taurinos com o meio social, cultural, artístico e político. Somos parte integrante da sociedade e como tal devemos estar bem integrados e não marginalizados. Mas é bom ver juventude nas corridas, haver interesse, e se todos ajudarmos, a Festa vive, desde que sempre e quando se respeitar a Festa seja dentro da arena como na bancada.
Após reforma do cavaleiro Rui Salvador, és agora bandarilheiro do Luis Gerpe. Iremos ver-te ainda noutra quadrilha brevemente ou Portugal este ano será esporádico?
Foi uma época muito bonita com o mestre Rui Salvador, dez anos dedicados e a vestir a camisola onde aprendi e cresci muito como toureiro e como homem, e que me deram as bases fundamentais para dar o passo que sempre quis dar para Espanha. Como diz e bem o matador Luis Gerpe, será o meu toureiro daqui em diante. À parte dessa minha escolha daqui em diante, não fecharei logicamente a porta a algum contrato esporádico que possa haver para Portugal e que com todo o gosto toureio na nossa pátria do toureio a cavalo.
Quanto ao cavaleiro Rui Salvador, como descreves, numa só palavra, os anos que passaste na sua quadrilha?
Sonho.
Vais estar presente na Feria del Aficionado em abril a acompanhar Luis Gerpe assim como na Praça de Las Ventas, também em abril. Qual a tua expectativa para estes eventos? E sobre o Luís, em que momento se encontra?
Vai ser um início de temporada a ferro e fogo, por assim dizer. Dia 26 de Abril em San Agustín de Guadalix com o desafio ganadero Prieto de la Cal & Cuadri e no dia seguinte em Las Ventas com os toiros de Saltillo. São dois compromissos de alta responsabilidade e dificuldade, mas que se investir algum toiro, como assim esperamos, e o Luis Gerpe triunfar, sendo das primeiras feiras a princípio da temporada, será fundamental de cara a fortalecer a sua imagem como grande toureiro que é e poder para negociar e fechar contratos para o resto da temporada. Portanto, um triunfo no início da temporada e ainda mais nestas corridas que são de exigência máxima, será chave para o desenvolver da sua carreira. O Luis Gerpe creio, na minha opinião, da qual estou plenamente convicto, que vai ser uma grande surpresa quando o virem tourear como ele sente e como gosta de se expressar. Leva o toureio na cabeça, nas muñecas e no coração e só precisa de uma oportunidade para o demonstrar. Vamos ter fé, em cima de trabalhar todos os dias para que o Luis tenha esse lugar no escalafon que merece.