O ganadero de S. Brás. Reportagem realizada pelo Dr. José Paulo Lima e com fotografia de Paulo Gil, na Ilha Terceira.
Ganadarias da Nossa Terra: José Tomás Linhares Silva
Na memória das gentes, ficam pessoas e factos, que a sociedade por algum tempo não esquece, mas que a erosão do tempo cronológico teima em deixar vagas reminiscências, às vezes incompletas e desagregadas. A tauromaquia vive também de recordações, alicerces esses sobre os quais se baseia a aficion de um grupo de pessoas que partilham os mesmos interesses.
Há factos, pessoas e acontecimentos, uns mais relevantes do que outros, mas o que é inquestionável é que tudo tem a sua importância e tudo contribui para ser património coletivo de uma Ilha Terceira que têm a tauromaquia como um dos seus fatores mais aglomeradores.
Um destes dias chuvosos de inverno, passando o tradicional bar do Galanta, e descendo para a freguesia de S. Brás, encontramo-nos com um punhado de indivíduos, que além da relação familiar que os une, estão vinculados pela paixão à tauromaquia! São filhos e netos de José Linhares Silva, o popular José Tomás de S. Brás. Nascido em 1925, chamavam-lhe de Tomás por ser um dos nomes de seu avô Francisco Tomás da Silva. José Linhares Silva nos anos de 70 até meados de 80 do século XX, aventurou-se a criar toiros bravos. Lavrador de profissão, com exploração leiteira de gado bovino, tinha intrincado uma paixão pelo animal bravo e pela festa de toiros que sempre esteve latente! É na compra de dois toiros, chamados Estrelo e Miúdo a Álvaro Inácio Gomes, por quem José Tomás nutria forte amizade, que se acende o rastilho para o envolvimento com a criação de gado bravo no ano de 1970. São esses animais que são corridos no Refugo, na freguesia vizinha da Agualva, tornando de novo a arraial no ano seguinte no Raminho, novamente em tourada conjunta com Inácio Gomes. Nesse ano compra seis novilhos a José Albino Fernandes, 4 dos quais corridos na Agualva, sem grande êxito. A partir daí seguiram-se outras freguesias como Cabo da Praia e S. Bento, entre outras, exacerbando-se o fervor taurino de José Tomás. Curioso é que no trato de venda da ganaderia de José de Castro Parreira em 1971, a José Tomás foi-lhe proposto o preço de 1000 contos facto que gerou tal interesse do lavrador de S. Brás, que só a relutância de sua esposa o demoveu da compra da importante ganaderia terceirense. A proximidade aos Castro Parreira por parte de José Tomás, facilitaria este trato.
O desassossego já era tal que no inverno do ano seguinte, por intermédio do Dr. Diocleciano Silva, Médico Veterinário, compra animais à ganaderia de Infante da Câmara devido à proximidade a Gustavo Zenkl, individuo de origem austríaca, que veio para Portugal ainda criança, após a Segunda Guerra Mundial, juntamente com várias crianças refugiadas suas compatriotas, algumas das quais acabaram, tal como ele, por ser adotadas por famílias portuguesas. Zenkl seria acolhido pela família Infante da Câmara, lavradores e ganaderos de Vale de Figueira, no concelho de Santarém, que o criou e levou a obter a nacionalidade portuguesa. Dessa importação do continente português José Linhares Silva, traz quatro toiros de impecável presença que servem para a sua estreia em maio de 1972 na Fonte da Ribeirinha, com dois toiros juntamente com a ganaderia de José Albino Fernandes. É nessa tarde que é puro o famoso Mulato de José Tomás, com o ferro Infante da Câmara, animal recordado pelos aficionados da Terceira, marcado com o número 12. Os quatro toiros com ferro Infante da Câmara foram posteriormente corridos na Feteira, nesse mesmo ano, sendo dois puros e dois corridos pelo preço de 30 contos, quantia avultada para a época.
No ano de 1978, no dia 25 de junho a ganaderia obtém um dos seus maiores êxitos na Praia da Vitória, com os toiros a darem boa conta de si na corrida de praça na desmontável pelas Festas. São recordadas as excelentes faenas de Mário Coelho, em especial a realizada ao cornúpeto com o número 32, os dois bons toiros lidados a cavalo, que no conjunto valeram a volta à arena a artistas e ganadero. Nesse ano a casa de bravo de São Brás, foi considerada como a triunfadora dos festejos das Festas de S. João.
Curioso é que José Tomás foi o único ganadero ao qual foram contratados todos os toiros para as importantes Festas das Lajes no ano de 1978, facto inusual e que marca o palmarés desta casa de bravo também. Os mordomos por desavenças com os outros ganaderos, optaram pela opção do criador de S. Brás.
José Linhares Silva sempre foi um ganadero, com preocupação pela apresentação dos seus toiros, onde o trevo e a cevada eram os ingredientes principais! Tratava-os com mimo e afinco à semelhança do que fazia com o seu gado leiteiro, muitas vezes para espanto dos seus filhos que tinham sempre na ideia que realmente era do gado frísio que vinha o seu sustento enquanto casa agrícola e não do gado bravo. Os seus bovinos pastavam no Pico da Cruz e pastagens limítrofes e na Ponta Delgada.
É com a sua morte que se finda de vez a ganaderia, que nos últimos anos de atividade não importou toiros devido a proibições sanitárias da altura. Poucos anos antes da sua morte, da ganaderia de S. Brás são vendidos 4 toiros a Celestino Amarante de S. Jorge, bem como a José Faveira, efetivo base no qual se centrou a ganaderia da Ladeira Grande.
Este entusiasmo segue vivo nos seus descendentes… seus filhos Délio já desaparecido, José Eleutério, Adelino, Paulo e Nélia Vieira da Silva, são entusiastas da festa de toiros e seguidores quer das corridas da Monumental “Ilha Terceira”, quer nos arraiais de tourada à corda. Dos seus netos o destaque vai para Tiago Silva reputado capinha e José Tomás, que herdando o apodo do avô, segue como pastor na ganaderia de Humberto Filipe. Gente do campo e da lavoura que vive a sua aficion transmitida e veiculada pelo progenitor José Linhares Silva – José Tomás de S. Brás.
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