Tauromaquia à Deriva: Cartéis Mal Montados e Artistas Sem Rasgo colocam cada vez mais em causa a qualidade a que se assiste.
Durante décadas, a tauromaquia portuguesa foi sinónimo de exigência, tradição e paixão. Os aficionados enchiam as praças com expectativa legítima, sabiam ao que iam, reconheciam talento e repudiavam o facilitismo. Mas hoje, o panorama é outro — e não é bonito de se ver.
Não culpem os antitaurinos!
A tauromaquia em Portugal está a atravessar um período preocupante. Não por pressão dos movimentos antitouradas, como muitos se apressam a justificar, mas por culpa interna, por uma decadência que começa nos bastidores e se espelha no que se apresenta em praça.
Comecemos pelos cartéis. Montados à pressa, em cima do joelho, sem critério artístico nem respeito pelos públicos. A sobreposição de datas é uma constante e denuncia a total falta de articulação entre as organizações. Há tardes em que se realizam várias corridas importantes no mesmo dia, a poucos quilómetros de distância, dividindo público, desgastando forças e esvaziando bancadas. É uma espécie de suicídio colectivo onde ninguém quer ceder e todos saem a perder.
Pior ainda é a escolha dos artistas. Estamos a assistir a uma banalização gritante dos cartéis, onde se reciclam nomes sem conteúdo, figuras que ainda não o são e outras que há muito deixaram de o ser. A meritocracia parece ter desaparecido da equação. O público, cada vez mais desmotivado e exigente — e com razão — começa a virar costas a espetáculos que prometem pouco e cumprem ainda menos.
Há também um facilitismo crescente na lide, como se a exigência técnica e a verdade da arte tivessem ficado no passado. As faenas tornaram-se repetitivas, previsíveis e, em muitos casos, aborrecidas. E se a emoção não chega, por que haveria o público de voltar?
E os empresários?
Os empresários, por sua vez, parecem mais preocupados com os nomes “vendáveis” do que com a construção de verdadeiros acontecimentos taurinos. Já não se constroem carreiras com base no mérito nem se desafiam figuras a dar o melhor de si. Criou-se um circuito fechado, uma espécie de clube exclusivo onde a qualidade nem sempre é o critério de entrada.
A verdade é que a tauromaquia portuguesa precisa de se olhar ao espelho. Precisa de parar, respirar e repensar. A arte não sobrevive apenas do passado ou da paixão dos resistentes. Precisa de renovação com critério, de artistas com verdade, de empresários com visão e de uma comunicação que não insulte a inteligência do público.
Caso contrário, o que sobra? Corridas vazias, cartéis sem alma e uma festa que, outrora nobre, se vai transformando num eco esvaziado do que já foi. E nesse cenário, nem os antitaurinos precisam de fazer grande esforço. A tauromaquia está, tristemente, a matar-se sozinha.