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Segunda-feira, Março 17, 2025
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A Senhora do Rosário como Padroeira

A Senhora do Rosário como Padroeira. Artigo de Dr. José Paulo Lima, com fotografias de Paulo Gil.

Situado no lugar do Rosário, a Quinta do mesmo nome, sita à Terra-Chã é um dos pontos mais singulares para a aficion terceirense.

Quinta do Rosário na atualidade; mais de duzentos anos de história ganadera e agrícola.

Sítio de confluência de história feudal e latifundiária, onde a criação ganadera e a partilha popular sempre foram um legado desta família.

Há 6 gerações na mesma família, Maria Margarida Sales Bettencourt Barcelos Cota, seu marido José Gabriel Machado Cota e seus filhos, mantêm um legado familiar de valor incalculável e que em termos históricos e sentimentais tornam este um lugar único para todos os entusiastas da festa brava.

Maria Barcelos Cota, filha de Manuel Barcelos da Silveira Bettencourt e sobrinha de Virgínio Barcelos da Silveira Bettencourt, último ganadero desta saga de criadores de toiros, herdou o apego às raízes familiares e à imensa história que traz como legado familiar, defendendo-a com veemência.

É um gosto ouvi-la falar e um embalo na história, que afinal nos abrange a todos entusiastas da história da tauromaquia e das suas raízes na sociedade terceirense.

Sob os auspícios de Nossa Senhora do Rosário que, vela por todos na capela da Quinta, o dia festivo de 7 de outubro é aberto a toda a comunidade, numa festa que quase 200 anos depois ainda se repete.

 O trisavô de Maria Barcelos Cota é Francisco de Paula de Barcelos Machado de Bettencourt nascido em 1831 na Ilha Terceira. Foi uma figura importante da nobreza média portuguesa, político de destaque e proprietário do morgadio estabelecido pelos seus ancestrais na ilha. Grande latifundiário, detinha vastas propriedades na região dos Cinco Picos, incluindo a área onde se encontra a Lagoa do Ginjal.

A sua residência principal era na Quinta do Rosário, objeto da nossa visita atual, uma das mais prestigiadas casas agrícolas da Ilha Terceira.

A ganadaria foi fundada em abril de 1879 com o gado proveniente de outras linhagens da região. No século XX, os sucessivos proprietários da Quinta do Rosário introduziram sementais de gado português de renome, oriundos das ganadarias de Norberto Pedroso e Emílio Infante da Câmara, contribuindo para a melhoria e diversificação do efetivo.

A Ermida de Nossa Senhora do Mato, também chamada de Santinha do Mato ou Ermida de Santo Antão, ergue-se na planície da Achada, ao norte da Caldeira dos Cinco Picos. A construção deste templo foi iniciada por Francisco Machado Bettencourt, que o mandou edificar numa pequena elevação de terras suas, e foi concluída em 1897. Este lugar de culto tem uma invocação a Nossa Senhora, mas também inclui devoções a Santo Isidro, padroeiro dos lavradores, e a Santo Antão, protetor dos animais e dos criadores de gado.

A festa anual da Ermida da Nossa Senhora do Mato, celebrada no dia de São João, tem raízes profundas na tradição local. Nessa celebração, participavam os proprietários das terras, os empregados e muitos outros convidados das freguesias vizinhas, especialmente da Ribeirinha. Era uma ocasião de festa popular, com ferra do gado e uma toirada à corda, que reunia pessoas de toda a ilha. Embora a festa tenha perdido um pouco da sua antiga grandiosidade, mantém-se viva até aos dias de hoje.

Os netos e bisnetos de Francisco de Paula de Barcelos Machado de Bettencourt, filhos de Diogo de Barcelos Machado de Bettencourt, continuaram a tradição da ganadaria, consolidando a sua popularidade ao longo do século XX. Entre os nomes de destaque estão o Dr. João de Bettencourt de Barcelos Machado, o seu irmão Manuel Inácio de Bettencourt de Barcelos e o filho deste, Virgínio Barcelos da Silveira Bettencourt. Todos desempenharam um papel importante na criação de toiros na Ilha Terceira.

O Dr. João de Bettencourt de Barcelos Machado, conhecido pela sua resistência em permitir que os seus toiros fossem corridos na corda, acabou por ceder à insistência da comissão de festas do Porto Martins.

No entanto, uma tragédia marcou essa mudança: durante uma toirada na década de 1930, um acidente resultou na morte de um espectador.

Este evento teve um impacto profundo no ganadero, que passou a preferir observar os seus toiros a pastar livremente. Apenas alguns toiros continuaram a ser utilizados nas touradas à corda, e a maioria dos animais foram levados para as pastagens nos Boíns, onde João de Bettencourt gostava de os contemplar ao lado de amigos.

Virgínio de Barcelos da Silveira Bettencourt, nascido em 1922 na Ilha Graciosa, fez aquisições significativas para a sua ganadaria, comprando animais de Tomaz Mesquita Borba, o que resultou numa substancial melhoria do seu efetivo. Mais tarde, na década de 1950, adquiriu um semental de renome da ganadaria de Salvaterra de Magos. Virgínio faleceu em 1994, mas deixou um legado duradouro na criação de gado bravo na Terceira.

Os toiros da Casa de Barcelos pastavam nas propriedades dos Boíns e na zona da Achada, na região dos Cinco Picos.

A famosa Toirada à Corda da segunda-feira na Vila das Lajes, que ainda hoje atrai grandes multidões, tornou-se uma data fixa no calendário festivo da ilha, onde os toiros da família Barcelos eram corridos. As quatro segundas-feiras de outono, nas localidades de Serreta, Biscoitos, São Carlos e Lajes, eram os momentos em que os toiros da família eram apresentados, cuidadosamente escolhidos pelos sucessivos ganaderos da casa.

A casa de Barcelos também era muito apreciada na zona do Ramo Grande, com destaque para a Vila das Lajes e a freguesia da Vila Nova. Além disso, os moradores da zona de Santa Bárbara, no concelho de Angra do Heroísmo, tinham grande afeição pela família, uma vez que o Morgado possuía vastas propriedades de pastagem dedicadas ao gado leiteiro.

Hoje a Quinta do Rosário, exala tradição e bom gosto, predicados esses que tornam as pedras que lhe dão estrutura, legados importantíssimos da história agrícola e latifundiária da Ilha Terceira e dos Açores.

Entre as peças únicas que a orgulhosa herdeira deste legado familiar, Maria Margarida Bettencourt Barcelos Cota, mostra com apaixonante simplicidade, está o original ferro da ganaderia familiar, espólio que aos olhos dos aficionados é de valor incalculável, mas que partilha o espaço com documentos da Monarquia portuguesa, atestando o mérito agrícola destas gerações de agricultores e criadores de gado da nossa Ilha.

A passagem pelos impecavelmente recuperados salões da quinta, é uma viagem histórica que culmina com a visita à ermida onde Nossa Senhora do Rosário, abençoa a todos desde o alto da Terra-Chã.

O casario principal da Quinta do Rosário, que englobava a Quinta das Casas, hoje propriedade da família Costa, é um enclave com um cunho taurino intenso, pois neste espaço pertencente anteriormente à Quinta do Rosário, os Barcelos desenvolviam diversas atividades taurinas onde convidavam toda a sociedade angrense, não esquecendo os seus vizinhos da Terra-Chã, a grande maioria seus empregados, a estarem presentes naquilo que é hoje o pátio da Quinta das Casas.

Um desses lembrados momentos é a lide e morte a estoque de um toiro com o ferro da Casa Machado Barcelos, pelo matador espanhol Mateíto a 13 de Setembro de 1895, caso único entre nós celebrado da mesma forma um século depois.

São legados como este que passam já os 200 anos de história, que o trajeto da tauromaquia toma intensidade na Ilha Terceira e se refunda como um dos pilares da nossa história enquanto sociedade e enquanto gente orgulhosa das suas raízes.

Leia também: A Tertúlia dos Casquilhas

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