Tertúlia A Ramboia: Da cabeça de um touro Miura aos safões de Juan Belmonte, o espaço apresenta inúmeros pontos de interesse e de paixão à tauromaquia.
No passado dia 3 de Julho, a Tertúlia A Ramboia, em Vila Franca de Xira, acolheu um colóquio dedicado ao Campino, integrado na programação ‘A caminho do Colete’, de antevisão ao Colete Encarnado.
Texto e Entrevista: Rui Lavrador
Fotografias: Rute Nunes e Carlos Pedroso
O colóquio foi moderado por Maurício do Vale, tendo as presenças dos campinos Luís Santos, Paulo Correia e Ricardo Côdeas, além do presidente da associação das tertúlias tauromáquicas de Vila Franca de Xira, Guilherme Nunes.
Após o colóquio, falámos com Diogo Câncio, proprietário da Tertulia A Ramboia, que além de aficionado é também um colecionador de artigos tauromáquicos, que estão expostos neste espaço vilafranquense.
Imagens, cartéis, trajes, cabeças de touros e demais objectos podem ali ser apreciados pelos visitantes.
O espaço transparece grandiosidade e afecto na forma como tudo está organizado, ‘obrigando’ a uma atenção atenta a todos os pormenores. Cada objecto é uma história e cada história pode dar horas de conversa, levando ao acto tertuliano.
Nesse sentido, dado o tema do colóquio, questionámos Diogo Câncio se a figura do campino é devidamente valorizada.
“Eu acho que não, acho que não. E neste colóquio que tivemos aqui hoje deu um bocadinho para perceber isso, e isso vê-se nas festas por esse Ribatejo fora. Apesar de serem festas que têm como temática a homenagem ao campino, depois não se vê, não se palpa, não se torna em algo substancial essa homenagem“, referiu.
“Aqui no colóquio, logo ao início, falou-se nisso, no facto do campino não ser uma personagem reconhecida profissionalmente, Por exemplo, aqui em Vila Franca no Colete Encarnado, há a homenagem ao Campino no sábado, mas depois acaba por ser uma personagem que está secundarizada na festa, quando na teoria, a seguir ao ganadeiro, seria um dos seus principais factores, porque é quem lida diariamente com o touro bravo, que é para nós o Ege da festa. Portanto, acho que não é uma figura devidamente valorizada, e tal como disse Maurício do Vale são raríssimos os colóquios que se fazem à volta da figura do campino“, acrescentou.
Seguidamente, questionámos se com o passar dos anos se foi perdendo o hábito de tertuliar.
“É uma questão complexa. Se formos pegar na questão numérica, Vila Franca tem mais tertúlias do que alguma vez teve. Tem, nesta altura, registadas na câmara cerca de 60 tertúlias, e se recuássemos 20 anos se calhar teríamos para aí 10 ou 20“, começou por enquadrar.
“Outra questão é se essas tertúlias cumprem efectivamente esse ritual de tertuliar, como o nome indica. Tenho sentimentos mistos. É importante e considero importante é que existam, haja espaços abertos, obviamente que o ideal seria que todas essas tertúlias tivessem na génese o princípio basilar de falar de touros e discutir sobre touros. Mas se não tiverem e apenas acontecer de vez em quando penso que já é um triunfo. Agora, o acto de tertuliar em si, independentemente de se estar num espaço taurino ou não, tem-se vindo a perder. Eu não confundo o tertuliar com o espaço Tertuliano. Porque podemos estar numa tertúlia a falar de bola e numa rua a falar de touros. Eu acho que hoje se fala muito pouco de touros“, explicou.
Sobre os muitos objectos ali expostos na tertúlia, falou sobre os de maior peso emocional e histórico.
“O objecto do qual eu dificilmente abdicaria, com quase 99% de certeza, do que está aqui exposto, não abdicaria de nenhum“, referiu como ponto de partida sobre o espólio.
“Por isso mesmo estão aqui expostos. Eu já coleciono peças taurinas há quase 30 anos, e quando vim aqui para esta tertúlia, aliás quando eu comecei a procura de casa, por norma as pessoas preocupam-se quantos quartos a casa tem e se tem ar condicionado, eu queria uma casa em Vila Franca, que tivesse um rés-do-chão onde desse para tertuliar e o resto logo se via. E fui construindo isto, já com o espólio que tinha, de uma tertúlia anterior, e está separado mais ou menos por temáticas. As peças são aquelas que vou encontrando, que vou comprando. As peças que eu diria que são tremendamente importantes para mim, curiosamente uma que não é minha, a única que não é minha, que é a cabeça do touro Miura, que foi na despedida do Mário Rui Alves, que não a querendo em casa, escolheu a tertúlia para a ter, portanto em termos de valor sentimental é a mais importante. Em termos de valor histórico, que eu creio daquilo que investiguei ser única no mundo, os safões do Juan Belmonte“, assinalou.
Por fim, questionado se o nome da Tertúlia A Ramboia, teria algo a ver como o seu dono ser ‘ramboieiro’, Diogo explicou que já não tanto.
“Já foi mais, já foi mais. A idade pesa. É uma questão que me colocam muitas vezes, porque em teoria não é um nome muito taurino, por norma é o capote, o redondel… A questão é essa, na altura éramos muito novos, isto já tem alguns anos, ramboia é um termo que aparece muito no fado castiço, mas também ligado à tauromaquia, porque tens a ruerga flamenca, daí vem o nome. Embora com o passar do tempo, é uma coisa que tenho pensado com o passar do tempo, é eventualmente mudarmos. Porque a ramboia já foi mais“, assinalou.